quinta-feira, 13 de março de 2008

O barbeiro e o gozador
Filho do ex-senador Artur Virgílio Filho (líder do presidente João Goulart no Senado), Artur Virgílio Neto abandonou uma promissora carreira de diplomata no Itamaraty para dedicar-se à política partidária. Em 1978, foi candidato à Câmara dos Deputados, mas, apesar da boa votação obtida em Manaus, acabou ficando na suplência. Em 1982, candidatou-se pela segunda vez e foi um dos mais votados do pleito. Marinheiro de primeira viagem, seu guia turístico nos meandros do poder em Brasília era o deputado federal Mário Frota, já então um político veterano exercendo o mandato parlamentar pela terceira vez.Numa dessas incursões, Mário Frota apresentou Artur Neto a um arigó cearense, chamado Zeca Xapuri, responsável pelo corte de cabelo da bancada nortista. Como os demais colegas de ofício, Zeca Xapuri não dispensava uma boa conversa enquanto aparava as madeixas dos parlamentares. Se o freguês desse trela, ele era capaz de contar suas mil e uma peripécias como soldado da borracha nos seringais de Xapuri, no Acre, de onde herdara o apelido. O jeito expansivo e brincalhão de Artur Neto conquistou o cearense e os dois tornaram-se “amigos de infância”. Junho de 1985. O barbeiro Zeca Xapuri estava cortando o cabelo de Artur Neto pela milésima vez quando resolveu perguntar sobre a “origem distinta” do deputado. Ficou surpreso em saber que Artur era filho de um ex-senador do PTB, que teve seus direitos políticos cassado pelo AI-5. Ficou mais surpreso ainda em saber que o deputado era um diplomata de carreira. Na sua simplicidade nordestina, diplomata era sinônimo de embaixador, e embaixador era sinônimo de viagens pelo exterior. O arigó se interessou vivamente pelo assunto.– Pra ser diplomata o cidadão precisa falar uma porção de línguas, né, não?... Ainda que mal pergunte, o senhor fala umas quantas?...Eterno gozador, Artur Neto meteu bronca:– Eu falo 27 línguas e uns 45 dialetos. Inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, russo, grego, japonês, hebraico, mandarin, cantonês, swaiili, tupi-guaranai, nheengatu, baniwa, o que vier eu traço...O arigó ficou espantado.– O senhor já esteve muitas vezes nos Estêites?...Artur Neto respondeu que sim, muitas vezes. Conhecia todas as cidades importantes dos EUA: Chicago, Detroit, Washington, Seattle, Miami, Dallas, Saint Louis, New Orleans, Los Angeles. Também conhecia as mais importantes do México: Guadalajara, Cidade do México, Jalisco, Guanajuato, Puebla, Chiapas, Tlaxcala, Sonora, Yucatán, Zacatecas, Cancún. Do Canadá, só conhecia Montreal, Toronto, Vancouver e Quebec, porque não gostava de frio e nevava até durante o verão.– E nas Oropas. O senhor já esteve nas Oropas?– Também. Muitas vezes. Conheço Londres, Paris, Bruxelas, Amsterdam, Estocolmo, Oxford, Cambridge, Liverpool, Belfast, Glasgow, Edinburgo, Berlim, Copenhague, Madri, Nice, Toulouse, Bordeaux, Viena, Strasbourg, Marseille, Lyon, o diabo a quatro.O arigó estava simplesmente abestalhado com o número de vezes que o passaporte do deputado já havia sido carimbado.– E lá pras banda do Japão? Não me diga que o senhor já esteve lá?– Muito. Já perdi a conta. Visitei quase tudo do Oriente, de cabo a rabo. Moscou, Pequim,Tóquio, Hong Kong, Osaka, Shangai, Guangzhou, Shenzhen, Cabul, Phnom Penh, Seul, Cingapura, Abu Dhabi, Nova Délhi, Jacarta, Teerã, Bagdá, Kuala Lumpur, Islamabad, Bangcoc, Damasco e Hanói.Brilhante aluno de Geografia, Artur ia matando a curiosidade do cearense citando nomes que só conhecia do mapa-múndi.– E Roma? O senhor conhece Roma?– Conheço mais do que Manaus.– Esteve com o papa?– Estive. Fui recebido em audiência privada pelo papa João Paulo II no ano passado.Aí o arigó interessou-se pra valer. Enquanto desabotoava o avental do parlamentar e espanava os pêlos com uma escova macia, quis saber mais detalhes. – E sobre o quê qui ocês dois conversaram, meu bichim?– Bom, eu cheguei lá levado pelo monsenhor Stanislaw Dziwisk, secretário particular do Sumo Pontífice – recordou Artur. “Então, ajoelhei-me para a benção, o Papa botou a mão na minha cabeça e perguntou: ‘quem foi o filho da puta que cortou o teu cabelo, meu filho? Esse corte está uma boa merda!...’”Foi a gota d’água. O arigó só não cortou a jugular do deputado com golpes de navalha porque foi impedido pelos demais fregueses. Desse dia em diante, Artur Neto nunca mais colocou os pés na barbearia do Zeca Xapuri.

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