terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quando pensamos que já vimos de tudo...

O território da política é o reino da hipocrisia. Pode dar enjoos. Muitas vezes dá mesmo. Deveria ser diferente? Gostaria que fosse. Mas é assim que funciona. O aliado de hoje é o inimigo de amanhã. E o inimigo mortal de ontem se transforma no seu mais fiel defensor de hoje. O retrato mais do que perfeito desse espetáculo foi visto no primeiro dia de trabalho do Senado após o recesso parlamentar.
Quem poderia imaginar, alguns anos atrás, presenciar o hoje senador Fernando Collor (PTB-AL), ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendendo o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Collor, que atacou Sarney e Lula para se eleger presidente, hoje faz parte da tropa de choque dos dois.
Esse exemplo acabado de falta de coerência com o passado, contudo, não é exclusividade desses três personagens da política brasileira. Basta procurar para encontrar outros tantos durante a nossa história. O inusitado dessa segunda-feira, volta do recesso, é que tudo ocorreu muito às claras. E que a aliança entre Collor e Sarney, com o apoio de Lula, acuou exatamente o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que tem se notabilizado pelos discursos inflamados na tribuna em defesa da moralidade da Casa.
Com um olhar de guerra, Collor fez ameaças veladas a Simon. Disse que poderia revelar fatos que poderiam trazer "incômodos" ao senador gaúcho. Ficamos sem saber, pelo menos por enquanto, o que o ex-presidente Collor pode saber a respeito de Simon. Pode ser, e talvez seja mesmo, uma bravata, um blefe do ex-presidente. Simon, contudo, acusou o golpe. Não repetiu o nome de Collor.
O fato é que, nessa segunda-feira, tudo foi muito estranho. De acuados, o grupo de Renan e Sarney apareceram pintados para a guerra no plenário do Senado. Do outro lado, faltou a tropa da oposição. Simon ficou praticamente abandonado na tribuna. As poucas tentativas de defesa do gaúcho não surtiram efeito. Foram feitas num tom quase tímido, diria, se comparadas com o que vinha sendo dito antes do recesso parlamentar.
Dos tucanos adversários de Sarney, só apareceu o senador Arthur Virgílio (AM). Num tom bem mais tímido. Entre os democratas, os maiores críticos do peemedebista, até pouco tempo seus aliados, também não deram as caras. No mundo petista, apenas os de sempre --Eduardo Suplicy (SP), Tião Viana (AC) e Flávio Arns (PR). A cúpula do partido no Senado estava em negociações com o governo Lula. O Palácio do Planalto, mais uma vez saindo em socorro de Sarney, tentava convencer os petistas a reduzirem a carga sobre o peemedebista.
Bem, tudo isso foi o cenário do primeiro dia de volta ao trabalho. Os próximos podem ser bem diferentes. Mas ontem as coisas parecem não ter saído como a oposição imaginava. A expectativa de tucanos e democratas era que Sarney jogasse a toalha. Não aconteceu.


Valdo Cruz, 48, é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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