Criminalização dos movimentos sociais
O “abril vermelho” - invasões em série de terras no meio rural
brasileiro, - anunciado e promovido com a maior naturalidade pelos
líderes do Movimento dos Sem Terra (MST), é a verdadeira
criminalização dos movimentos sociais.
O slogan é habitualmente empregado no sentido oposto, de vitimizar os
invasores e condenar os invadidos, o que não deixa de ser uma maneira
original de olhar as coisas. Mais original (para não dizer espantoso)
ainda é aceitar esse ponto de vista com a mesma naturalidade com que é emitido.
A definição mais elementar de crime é transgressão à lei. A
Constituição brasileira garante a propriedade privada. As invasões a
transgridem, sobretudo quando acompanhadas, o que não é raro, de
depredações e roubo. A reforma agrária, que tem legislação própria,
não pode, como aliás nenhuma outra iniciativa, colidir com a
Constituição, que é a Lei Maior.
Pode sim regulamentá-la – e o faz -, ao estabelecer regras para o uso
da propriedade rural, conferindo ao Estado meios de desapropriar as
improdutivas para fins de reforma agrária. A princípio, o MST invadia
terras improdutivas, antecipando-se à ação do Estado.
O gesto era tolerado (o que não o tornava legal) a título de pressão,
para que o Estado não deixasse de cumprir o que lhe cabia. Na
sequência, porém, as propriedades produtivas foram sendo incluídas no
cardápio dos invasores até não haver mais distinção entre ambas.
Cenas de vandalismo e violência, colhidas pelas câmeras, atestam esse
método. Isso não ocorreria impunemente sem a cumplicidade de setores
do Estado. No Pará, por exemplo, o governo estadual é acusado de
descumprir algumas dezenas de liminares de reintegração de posse, o
que, claro, realimenta as invasões.
Incra e Ministério do Desenvolvimento Agrário também se comportam de
modo passivo, quando não cúmplice. Não é casual que nada menos que dez
superintendentes regionais do Incra tenham se desincompatibilizado do
cargo para disputar as eleições de outubro. No mínimo, isso indica um
contágio político na gestão do órgão, que, afinal de contas, tem perfil técnico.
Há dias, no Rio Grande do Sul (o vídeo está no Youtube), o líder do
MST, João Pedro Stédile, falando a militantes do PT, atribuía à luta
no campo (leia-se invasões) importância decisiva para “encurralar a
burguesia”. Explicava que “só o voto não basta”, que é preciso
intensificar a luta. Dizia ainda que a “última trincheira” da
burguesia “é o Judiciário”, sugerindo que acioná-lo constituía um ato
lesivo à justiça social.
No mesmo vídeo, Olívio Dutra, depois de mencionar a necessidade de
eleger Dilma Roussef, frisa a importância de levar a luta dos
movimentos sociais ao “campo do inimigo”, o Legislativo.
Em ambos os casos, o que se tem é uma visão inteiramente avessa ao
Estado democrático de Direito, onde a lei só serve se se amoldar ao
ideário e às metas dessas lideranças, e em que dois dos três Poderes
republicanos – Legislativo e Judiciário – são “campos inimigos”. Para
quem acha tudo isso e ainda se apresenta como democrata, nada mais
natural que convocar a mídia e anunciar uma sequência de ações
criminosas, sob o rótulo de “abril vermelho”, com a cabeça erguida de
quem vai praticar um ato heróico.
O mais espantoso, frise-se mais uma vez, é que não há espanto. O país,
ao que parece, perdeu a capacidade de se espantar.
Ruy Fabiano é jornalista
terça-feira, 20 de abril de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário