terça-feira, 1 de abril de 2014

Carlos Alberto Brilhante Ustra



Um muro transparente, de vidro, guarda a residência de um dos mais famosos agentes da ditadura. Gaúcho radicado em Brasília, o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador. Nos três anos e quatro meses em que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, 502 pessoas teriam sido torturadas no local e 50, mortas pelo órgão. Ustra insiste, há décadas, em negar todas as acusações, apesar dos inúmeros relatos de ex-presos e até de ex-agentes.
A tese de defesa do coronel nascido em Santa Maria - que no fim da década de 1970 também atuou no Centro de Inteligência do Exército, em Brasília, e comandou o 16° Grupo de Artilharia de Campanha, em São Leopoldo - começou a ser escrita há 29 anos pelo punho de sua própria esposa, Maria Joseíta. Em outubro de 1985, dois meses após a então deputada Bete Mendes reconhecer Ustra como seu torturador - fato que levou o nome do militar (na ocasião adido militar no Uruguai) às primeiras páginas de jornais de todo o país -, Joseíta escreveu uma carta às filhas, Renata e Patrícia, o que seria a introdução de um álbum dedicado às herdeiras do casal. No lugar de fotos da família, recortes de jornais, documentos e anotações, para que, no futuro, as filhas não se envergonhassem de carregar o sobrenome do militar. Dali veio a inspiração para o primeiro livro do militar, Rompendo o Silêncio, lançado em 1987, que reproduz e amplia os argumentos e exemplos citados no manuscrito assinado pela esposa.
"Todos dizem que foram torturados"
O senhor responde a processos por tortura, sequestro e ocultação de cadáver, foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador. Nos três anos e quatro meses em que comandou o DOI-Codi em São Paulo, dezenas de pessoas foram mortas pelo órgão.
O senhor tem dormido bem à noite?
Sempre dormi. Graças a Deus, tenho dormido muito bem à noite. Nunca tive problema de consciência, porque não fiz nada de errado.
O senhor participou ou tinha conhecimento da realização de sessões de tortura no DOI-Codi?
Não. Eu não participei e não tinha conhecimento de sessões de tortura. Isso não havia. Excessos podem ter havido de ambos os lados. Não vou dizer para você que não houve. Pode ter havido excesso de um lado, o cara perder a paciência... Isso pode ter havido. Mas isso é explorado pela esquerda, que quer nos desmoralizar com esse problema de tortura. Mario Lago (ator, autor e comunista) já dizia isso: "Quando saírem da prisão, vocês sempre digam que foram torturados".
Que excessos podem ter sido cometidos?
Não me lembro. Excessos... Eu não me lembro, assim, de excessos que podem ter cometido.
Excessos durante interrogatórios?
Cometeu-se, às vezes, no ato da prisão. Pode ter sido. O cara reagia, brigava, havia luta corporal... Você sabe, terrorista não é brincadeira. Não é fácil, entendeu? Mas todos dizem que foram torturados. Uma das poucas que disse em juízo que não foi torturada foi a Bete Mendes. No depoimento, chorou e disse que não foi torturada. E assinou o documento com dois advogados de defesa presentes. Chorou, disse que estava arrependida.
Por que tantos anos depois, quando vocês se reencontraram no Uruguai (em 1985, Ustra era adido militar e Bete, deputada federal) ela o acusou de tê-la torturado?
Aí, minha filha, eu é que quero saber por que que ela mudou. Quando elas foram presas eram umas crianças. Ela não, era maior (de idade).
Ela não pode ter se sentido coagida, com medo?
Mas coagida na frente do juiz, do júri, com pessoas assistindo, com dois advogados ao lado? Todos os presos chegavam lá e diziam: "Eu fui torturado horrivelmente". E ela se arrependeu, chorou. Ela esteve presa 20 e poucos dias, era a líder do grupo que doutrinava. Eram meninos do secundário, 18, 17 anos. Fui ao general e pedi para entrar em contato com o juizado de menores. Foi lá a dona Zuleika Sucupira, dava assistência e declarou: "Eles, aqui, estão sendo muito mais bem tratados do que nós poderíamos tratá-los". Depois, saíram de lá nenhum disse que foi torturado. Um pai até me escreveu uma carta agradecendo pelo tratamento.
Mas o que justifica a existência de inúmeros relatos de ex-presos e até de ex-agentes do DOI-Codi (como o ex-sargento Marival Chaves e o ex-escrivão Manoel Aurélio Lopes) que indicam que a tortura era uma prática comum no destacamento?
Olha, esse escrivão diz que serviu no DOI de 1972 a 1978, (Ustra pega um jornal e lê) "admitiu que houve torturas sistemáticas de presos políticos". Estou olhando a fotografia dele. Não me lembro de jeito nenhum. Uma coisa tenho certeza: pelo nome, da equipe de interrogatório ele não era. Uma coisa que a gente levava a sério era a compartimentação: quem era do interrogatório, era do interrogatório. Ninguém tinha nada que saber o que um e o que outro fazia. Ele disse que viu por uma porta, com certeza, não teria entrado lá.
Agora, esse sargento Marival serviu comigo uns dois meses. Esse cara, não sei o que aconteceu com ele. Eu sei, mas não posso dizer por que ele está fazendo isso. Não posso falar porque não tenho provas, mas sei por que aconteceu. Me consta que ele foi comprado, que ele recebeu grana para fazer isso. Ele disse na Comissão da Verdade que eu era senhor da vida e da morte. Ora, eu era senhor da vida e da morte de quem, meu senhor?
O senhor escreveu no seu último livro que "vidas humanas dependiam das suas decisões".
Sim, claro. A vida dos meus subordinados. Quando eu mandava meus subordinados para a missão - e existiam várias em que eu ia - , muitas vezes, levava o capelão militar para nos abençoar antes de sair. E nós partíamos para cumprir o nosso dever.
Qual era esse dever?
O dever? Era impedir que a luta armada vencesse e introduzisse o comunismo no Brasil, conforme eles estavam programados para fazer. Sim, esse era o nosso dever.

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