DISCURSO SEM A LETRA “A”
Antonio Araujo Gomes de
Sá
1918
1918
O Dr. Hernani Lopes de Sá, de Ilheus, BA,
recebendo cópia do discurso pronunciado por seu pai, o médico Antônio Araujo
Gomes de Sá, que em 1918 foi admitido no Instituto Histórico e Geográfico da
Bahia. Poeta, escritor e jornalista, foi também autor de um discurso sem verbos,
publicado no seu livro Exotismo. A originalidade do discurso aqui publicado é
que, em 1.300 palavras de texto para agradecer a indicação de seu nome naquele
instituto, o Dr. Gomes de Sá não usou uma única vez a letra ‘A’ (Publicado na revista
Pulso de 29/06/1966)
“Meus ilustres e digníssimos consócios. Meus
Senhores.
Por mim, humilde membro que vou ser deste Instituto, eu
vos direi sem orgulho em que me oculte: errou no que pretende, perdeu no que
colime, esse que de mim muito esperou em prol deste luzido Grêmio que, sem o meu
débil concurso, vive com brilho e vence com fulgor.
Sim. Porque eu, que neste momento vos dirijo um verbo
simples e despretensioso, cumprindo somente o desejo de exprimir o sentimento de
júbilo de que me possuo, por ser tido no vosso doce e utilíssimo convívio, no
meu viver, quer como homem público, quer como eficiente de um tempo ido, sem
dons que me nobilitem, sem luzes que me guiem no presente o rumo do futuro, em
pouco, em muito pouco, posso proteger o curso luminoso deste conjunto de homens
eminentes deste Grêmio benemérito. Por isso que, nem de leve, fulgem em mim
resquícios de primor.
Fizestes, escolhendo-me vosso consócio, o que só
costumo ver nos espíritos superiores e que, por isso mesmo, surtem vôos por
sobre míseros preconceitos.
Eis o motivo por que me deixei prender nos elos do
vosso gentil convite, e devo dizer-vos, sincero, quem fui, quem sou e quem
serei, vencendo o pórtico deste Templo, repleto de fulgores.
Quem fui?
O débil rebento de um tronco bom e, sobretudo, honesto,
em cujo viver de espíritos só virtudes vi florirem e vícios, nem de longe,
pretenderem prender.
Eduquei-me sob o influxo do bem e tive por complemento
dos meus humildes e virtuosos genitores um excelente mestre, conhecido de todos
vós, que tem sido entre nós erguido em mil louvores, que nem lhe podem dizer o
seu merecimento, entre os velhos, entre os moços e entre os que recebem no
presente o brilho do seu espírito de eleito, fulgindo como um sol que incidisse
nos pequenos cérebros, sequiosos de luz.
Do colégio, de que conservo vivo o exemplo do bem e do
honesto, fui vencer o tirocínio superior, onde, por muito feliz, entre docentes
e condiscípulos, conservei, desde o início, ouvindo Filinto, Leovegildo e
Guerreiro, um nome sem deslizes, que desgostos me desse no meio de muitos
outros, estudiosos como eu.
Tenho por mim, neste recinto, quem vos pode dizer se me
exprimo sincero neste ponto.
Depois, colhido o louro de um torneio vencido, penetrei
no mundo de desilusões, supondo – ingênuo que fui – fosse o viver somente um
eterno sorrir.
Dentro em pouco, porém, vi que o sorriso dos moços nem
sempre é o prenúncio de um futuro venturoso, e, sim, o prólogo de um sofrer
contínuo ou de um existir repleto de desgostos...
E eu sofri!
Sem que desperte dores no recesso do meu dorido peito,
eu vos direi: fúnebre dobre de sino, ouvido por mim, filho extremoso, pelo
espírito desse que me deu o ser e que se foi, morrendo como um justo, entre
outros golpes bem fundos, foi o primeiro que me fez sentir negrumes no
viver.
Superior, porém, fui vencendo os óbices do existir,
tendo, como tive e, felizmente, tenho, consorte e filhos, meus enlevos, que me
impelem, cheio de vigor, no trilho em que me tenho conduzido neste mundo, rico
de dores, e pobre, muito pobre mesmo, de momentos bons e felizes, como
este.
Quem sou?
Um pequenino servo de Themis, que fiz do direito em si
o ponto em que reside o imenso bem dos homens, e que Deus quis fosse tido por
nós como virtude de virtudes, e que dele mesmo nos veio por intermédio do
conhecimento que todos devemos ter dos nossos e dos direitos de
outrem.
Quem serei?
Se fui o zero que vos disse, hoje sou um número entre
vós e, no futuro, hei de escrevê-lo com um orgulho que eu mesmo nem sei como
conte.
O meu íntimo sentir, que os vossos ouvidos percebem nos
breves termos do meu singelo dizer, é tudo que de sincero reside nos refolhos do
meu peito, todo cheio desse mesmo vigor e nobres volições com que tendes erguido
o ‘Instituto Histórico’, que de mim só pode ter fogosos elogios.
No intuito que tive e bem vedes que cumpri, louve-se
menos em mim o esquisito escopo, que o meu ilustre e glorioso mestre, doutor
Ernesto Ribeiro, que recebe de um seu discípulo, num excêntrico discurso, os
meus íntimos encômios, pois dele eu só tenho tido luzes e conselhos com que
pudesse ser recebido neste Grêmio.
Ele, o emérito cultor do verbo que o celebrizou entre
os profundos conhecedores do português, que encontre no meu gesto o empenho que
tive de querer ser-lhe gentil, dizendo-lhe, de público, o muito bem que lhe
quero e o respeito que lhe voto.
Consócios, sede indulgentes comigo!
Recebei-me como se eu fosse um proscrito que buscou o
recolhimento deste teto, em que vejo luzindo os espíritos superiores dos
conselheiros, nutrindo, como nutro, o desejo imperecível de tudo empreender em
prol do brilho, em bem do progresso do ‘Instituto Histórico’, conhecidos, ‘urbi
et orbi’, o seu merecimento e o seu fim, úteis de todo e de todo
proveitosos.
Tenho dito!”
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