Colunista: Vicente Serejo
E-mail: serejo@zaz.com.br
Isto é civilização!
Outro dia, acho que no Estado de S. Paulo, saiu uma notícia que antes de revelar apenas uma curiosidade da vida londrina, como o título pareceu destacar, é um exemplo de civilização, seu lento processo de sedimentação, camada a camada, até cristalizar-se como patrimônio de um povo com identidade cultural. O texto noticiava a nova lei sobre o funcionamento dos pubs que veio substituir a lei anterior. E que estava em vigor desde o fim da Primeira Guerra Mundial. A dificuldade não está nos novos horários. Até facilitam e reduzem o índice de ingestão de álcool muito elevado em Londres. É que ao permitir um horário noturno mais elástico, bem além das 23 horas, como antes, os pubs - no caso, os pequenos bares ingleses - agora poderão ir até duas horas da madrugada. Ao invés daquela pressa que fazia o inglês tomar muitas perto do horário de fechar. Bebe-se talvez menos, com menor ansiedade, e assim a bebedeira não é total.A solução seria lógica e simpática, se não existissem pubs em áreas residenciais. Mas, como existem, veio o peso da civilização: não há como garantir o silêncio aos moradores que a essa hora dormem. Como garantir que mesmo bebendo sem ansiedade depois de um horário mais generoso, os alegres ingleses beberão menos e sairão calmos pelas ruas do bairro sem ferir o direito ao silêncio? E se a comunidade cobrar uma providência, quem vai justificar esse abuso?As autoridades inglesas pediram tempo. Estão pensando. Como por em dúvida um direito que vem de 1918 sem prestar contas aos cidadãos que há quase cem anos fixaram o horário do silêncio? Como dizer que o direito ao silêncio mudou de horário? Nem pensar, concordam. Mas, e os pubs nas regiões residenciais? Respondem: que se mudem ou fechem no horário de sempre. No centro de Londres já funcionam até mais tarde, exatamente porque lá não é área residencial. Ora, é saber velho como a noite que na ausência da lei prevalece o costume. É o Direito Consuetudinário. Isso tudo, posto até aqui, tem um sentido: mostrar que nas civilizações ungidas pela consagração dos hábitos e dos costumes, pelas leis e normas, ninguém ousa imaginar um poder, qualquer que seja, acima do direito. Daí certas polêmicas só serem necessárias unicamente pela falta de consciência individual e coletiva, pois do contrário seriam até bisonhas e ridículas.Perdoem a sinceridade, mas o que nos falta é civilização. Se vivêssemos numa sociedade civilizada, seria vergonhoso abrir mão de um patrimônio histórico parte integrante e singular da nossa própria história. O culto à personalidade seria um crime passível dos rigores da lei e ainda seria abominado publicamente. A omissão seria um pecado sem perdão por lesa-dignidade. E o silêncio obsequioso ao poder, aos interesses e ao medo, o pior e mais imperdoável dos perjuros.
domingo, 9 de dezembro de 2007
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